Data: 08/07/2025
Há tempo o Estado de Santa Catarina busca impedir a ampla fruição dos créditos de ICMS acumulados pelos contribuintes em decorrência de suas operações de exportação, através da edição de leis que introduzem regras restritivas no RICMS-SC, tal como a inserta na parte final do inciso II, do parágrafo 4, do art. 40, do Regulamento, que condiciona a liberação das transferências do crédito a terceiros a questões financeiras do Erário.
Na prática, o contribuinte consegue habilitar os créditos para transferência mediante processo administrativo, contudo a Secretaria do Estado da Fazenda, após a aprovação dos pedidos de reserva destes, impede a transferência dos créditos habilitados a terceiros, impondo limites ilegais e inconstitucionais, publicando, a cada período, o valor máximo disponível para transferência, sempre em montante proporcionalmente bem menor do que o total a que faz jus.
Nesse sentido, através do art. 52-C do RICMS-SC, o Fisco Estadual impõe como condição para liberação de limites adicionais de créditos acumulados para transferência a assinatura de termo de compromisso para execução de plano de investimentos e termo de compromisso para contribuição em valor equivalente a 5% do valor do crédito autorizado para fundo estadual indicado no ato concessório.
Contudo, o Poder Judiciário Catarinense vem reiteradamente acolhendo as irresignações dos contribuintes contra estas ilegalidades, ao proferir sentenças e lavrar acórdãos garantindo o direito à transferência integral dos créditos acumulados de ICMS-exportação a terceiros sem a necessidade de respeitar os limites mensais ilegalmente instituídos pelo RICMS/SC, respeitando o disposto no art. 21, § 2º e art. 25, da Lei Complementar n.º 87/96 e art. 31, inciso II, da Lei Estadual nº 10.297/1996, bem como, sem a aplicação das exigências do art. 52-C do Decreto nº 2.870/2001, traduzidos no pagamento de 5% a fundo especial, metas de faturamento e oferta de emprego, plano de expansão ou qualquer outro critério, considerando-os inconstitucionais.
Diante disso, inconformado com o que considera verdadeira sangria de recursos e fator de desestabilização das contas públicas, o Estado de Santa Catarina editou, em 11/06/2025, o DECRETO Nº 1.025/2025, introduzindo alteração no RICMS-SC, para incluir o art. 46-A na sua Subseção I da Seção IV do Capítulo VI, com a seguinte redação:
“Art. 46-A Salvo no caso de transferências de crédito em que os valores são calculados diretamente pelo Sistema de Administração Tributária (SAT), daquelas realizadas de acordo com o art. 52-C do Regulamento, os incisos I a III do § 3º do art. 25 do Anexo 3 e das transferências realizadas pelos contribuintes beneficiários do tratamento tributário previsto no art. 17 do Anexo 2, o destinatário da transferência apropriará o crédito recebido à razão de um dezoito avos ao mês a partir do recebimento da AUC.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, o pedido de transferência de crédito deverá ser precedido de declaração de aceite pelo destinatário, conforme previsto no art. 51 do Regulamento.”
Está clara a manobra do Estado Catarinense em esvaziar e driblar as decisões judiciais pró-contribuinte com a introdução deste art. 46-A no RICMS-SC, agora atacando a outra ponta da operação, ou seja, impondo limitações e requisitos a serem cumpridos pelo “comprador dos créditos”, leia-se, aquele a quem os créditos serão transferidos pelo contribuinte detentor.
A lógica Fazendária parece ser: já que não tem sido mais possível limitar a fruição dos créditos pelos contribuintes que os detêm acumulados, então, “vamos limitar o uso deste crédito pelo comprador”, ao impor a necessidade de declaração de aceite por ocasião do pedido de transferência e a obrigação de utilizar o crédito adquirido em 18 meses a partir do recebimento da AUC, quando para adquiri-lo pagou ao detentor à vista.
Tal medida se mostra abusiva e ilegal, pois desvirtua decisões judiciais por meio de um decreto, violando o princípio da boa-fé e da segurança jurídica. Além disso, afronta o princípio da separação de poderes, ao tentar limitar os efeitos de decisões do Poder Judiciário.
Por fim, o art. 25, § 1º, II, da LC nº 87/96 garante aos contribuintes que possuem créditos de ICMS referentes às etapas anteriores da cadeia produtiva, destinados à exportação, a fruição e transferência destes para terceiros sem qualquer tipo de limitação. Portanto, o Decreto nº 1.025/2025 extrapola sua competência legislativa ao criar restrições não previstas em lei complementar, afrontando também a Constituição (art. 155, XIII).
Autor:
Simone Bechtold
OAB-SC 9.321